Nesse artigo, eu vou investigar por que existe uma onda de haters de dopamina. Vamos entender por que isso tá acontecendo e qual é o real papel da dopamina no nosso cérebro.
O conceito de “jejum de dopamina” começou a ganhar destaque por volta de 2018-2019, principalmente no Vale do Silício.
Esse conceito foi popularizado pelo Dr. Cameron Sepah, empresário, psicólogo clínico e professor de psiquiatria na Universidade da Califórnia.
Esse “jejum” seria uma espécie de adaptação moderna de práticas antigas de abstinência, só que mais ajustada para a atualidade, como deixar de comer alimentos muito prazerosos, evitar distrações supérfluas e vícios.
O Dr. Cameron afirmava que estas atividades liberam muita dopamina no cérebro e o “jejum” ajustaria os níveis da substância, e por consequência, aumentaria a capacidade de concentração e produtividade.
Mas será mesmo?
Ainda em 2019, houve ascensão do desafio “75 Days Hard” por Andy Frisella, um empresário, palestrante motivacional e entusiasta fitness muito famoso nos Estados Unidos.
Esse desafio consiste numa abordagem muito rigorosa para criar disciplina e resiliência.
Por 75 dias consecutivos, os participantes seguem um conjunto de regras sem nenhuma exceção, incluindo:
- Dieta rigorosa.
- Não consumir bebidas alcoólicas.
- Exercitar-se pelo menos duas vezes ao dia, por 45 minutos cada sessão, uma delas obrigatoriamente ao ar livre.
- Beber 3 litros de água por dia.
- Ler 10 páginas de um livro de não-ficção.
- Tirar uma foto de progresso diária.
Não sei vocês, mas acho que acordar cedo é mais difícil que tudo isso somado!
Influenciadores da vida “perfeita”:
Tudo o que é vendável em outras partes do mundo, os empresários do Brasil trazem para o nosso país a fim de alcançar um nicho de mercado.
Então aqui não foi diferente!
Entre 2020 até o momento, a onda tem se espalhado por aqui com influenciadores demonstrando que uma vida focada só em fazer as coisas difíceis, hiper disciplinada, sem prazeres “baratos”, poderia alavancar seu sucesso pessoal e profissional.
E eu realmente penso que se você for atleta, pode realmente trazer muito sucesso.
O problema em sustentar esse tipo de rotina começa quando você precisa fazer hora extra no trabalho, ou pegar transporte público, etc. Aí você perde o controle sobre o tempo.
Fatalmente você vai se cobrar, pensando que fracassou no desfio, e que vai fracassar por não ter sucesso, e etc.
Eu por exemplo prefiro ler com calma, às vezes 40 ou 50 páginas em 1 hora.
Eu não faço exercício todo dia, mas nos dias que faço, fico 1h e 20 focado nisso.
Minha dieta é frango grelhado ou ovo com arroz e feijão todo dia. E estou feliz demais com ela!
Hábitos saudáveis são muito bem-vindos, é importante você avaliar o que melhor funciona pra você. Farei vídeos futuros sobre esse tema.
Mas acha que conseguiria fazer desafio aí começando hoje? Deixa nos comentários.
Na real, a dopamina é importantíssima! Mas ela sozinha pouco tem a ver com prazer.
Inclusive no corpo, ela participa da regulação da sua pressão arterial.
No cérebro, ela é mais conectada com o nosso “Sistema de Recompensa”, é o que vou cobrir no texto.
Agora vamos nos aprofundar um pouco…
A dopamina é fabricada em seus neurônios a partir da fenilalanina e tirosina (mais comum).
Ambos são aminoácidos encontrados basicamente em qualquer proteína como ovo, carne, peixe, leite, castanhas, proteína de soja, feijão, etc.
Dependendo da região do cérebro e da quantidade a dopamina dispara uma função no cérebro.
Pouca gente comenta isso, mas os neurônios têm uma espécie de “fechadura” em suas membranas enquanto um neurotransmissor seria a “chave” que entra na fechadura específica.
Cada receptor se concentra em determinados locais no cérebro, e provoca efeitos diferentes nos neurônios.
É como se uma mesma chave abrisse portas diferentes para caminhos diferentes.
No caso da dopamina há receptores da família D1, que ficam em áreas de controle do movimento e modulação das respostas comportamentais quando você recebe uma recompensa.
Já os receptores da família D2, por exemplo, são responsáveis pela regulação fina dos movimentos, inibições de comportamentos (ajuda você a pensar no que tá fazendo), e funções cognitivas de planejamento por objetivos.
A função dela é priorizar um desejo e te fazer persegui-lo, reforçando o seu foco, seu ímpeto e calibrando os movimentos dos músculos para você ir buscar uma recompensa, quando sente uma pista.
As vias dopaminérgicas:
A dopamina vai ativando as áreas do seu cérebro para que você persiga a pista.
Essa pista pode ser um estímulo sensorial como cheiro, uma imagem, um som, uma mudança de temperatura, um lugar percebido.
Passa em frente uma padaria com doces na vitrine!
A área tegmentar ventral recebe uma sinalização da interpretação de uma pista que seu cérebro detectou.
Nessa área, a dopamina então é sintetizada e liberada, acionando outras áreas do cérebro.
Seu núcleo accumbens calcula um grau de relevância para a pista e ajusta os movimentos do corpo para persegui-las.
Então se for um som relevante, por exemplo, você vai virar a orelha na direção. Se for algo visual, você vai focar no que chamou sua atenção.
Depois, seu córtex pré-frontal calcula o esforço pra chegar no objetivo com base na relevância que o núcleo accumbens inferiu.
Você então decide se vale a pena ir atrás da recompensa.
Se você consegue chegar na recompensa e ela atender ou superar suas expectativas, a amigdala atribui um valor emocional, modulando a resposta por ter conseguido o que queria.
É nesse momento que você pode sentir uma espécie de conquista, ou satisfação. Alguns relatam “prazer” se a recompensa for boa mesmo, ou decepção se for ruim.
Nesse momento, um reforço de dopamina é liberado novamente se a recompensa for melhor do que esperada.
Graças ao par imbatível acetilcolina e dopamina, o hipocampo consolida as memórias associadas à uma imensa satisfação e armazena o contexto da recompensa.
E assim, você aprende que se fazer uma determinada ação, será recompensado.
Portanto, seu cérebro vai incentivá-lo a repetir quando você sentir as “pistas” novamente.
Só que agora, ele tem uma memória associada à emoção que sentiu naquele contexto, para te forçar a ir atrás de mais recompensa quando os estímulos das pistas forem semelhantes.
A dopamina nos mantém vivos, ativos e sempre aprendendo!
A remoção dela faria você ficar deitado esperando alguém colocar comida na sua boca com uma sensação de indisposição, além de muitos outros problemas.
Erro de previsão de recompensa:
Mas, e quando a recompensa não vem?
Bom, aí entra a teoria do Erro de Previsão de Recompensa (RPE), que é o que (em tese) recalibra nosso sistema para buscar outra recompensa melhor, porque aquela que você obteve por último deixa de ser válida, é atualizada para um “valor” menor ou ainda te desincentiva por não haver recompensa.
Esse valor atribuído pode ser emocional ou apenas um cálculo lógico a respeito da quantidade ou qualidade da recompensa. Com seu córterx pré-frontal ajudando a julgar e decidir.
Isso faz você almoçar num outro lugar, porque a qualidade da comida te causou aversão (peso emocional de nojo) e não te justificou o preço (peso lógico do custo).
A decisão sobre a atualização dos valores vem como consequência das suas experiências de vida, crenças, traumas, etc.
Vícios e comportamentos obsessivos:
A dopamina é só um minúsculo componente de um sistema muito complexo da neurobiologia.
Conforme os avanços ocorrem, as empresas de alimentos, de redes sociais, entretenimento, cassinos e casas de aposta vêm empregando mais conhecimento para “sequestrar” o sistema de recompensa do seu cérebro.
Por isso vemos casos de vício em jogos de aposta, jogos online, redes sociais, comida, etc.
Diferente da dependência química (quando ocorre abuso de drogas), esse tipo de vício é está conectado a um comportamento obsessivo ou mal adaptativo.
Eu não encontrei um artigo científico que determina que esse tipo de vício ocorre por abstinência de absorção de dopamina em si.
Pode até ocorrer uma dessensibilização temporária nos receptores, indicando que o indivíduo deveria parar de procurar uma recompensa muito repetitiva.
Só que, devido à conveniência e a uma desregulação nos mecanismos de julgamento e raciocínio, o indivíduo segue procurando o estímulo, tentando induzir uma recompensa maior.
Isso seria um comportamento obsessivo (ou mal adaptativo), que força o indivíduo a ir atrás de uma recompensa, que não tem um valor real ou duradouro e que pode prejudicar sua vida.
Pessoas vulneráveis, geralmente mais impulsivas e que atribuíram um vínculo emocional com o contexto do comportamento são mais propensas a sofrer com isso.
Pode ajudar, mas nesse caso não é um ”jejum de dopamina” que vai salvar, e sim uma reflexão profunda sobre os valores que a pessoa atribui à recompensa.
Alguns vão fazer isso por conta ao refletir, outros vão precisar de ajuda da família/amigos.
Mas alguns casos mais graves podem demandar Terapia Cognitiva-Coportamental acompanhada de outras intervenções.
Conclusão:
No fim das contas, termos como “jejum de dopamina” ou qualquer coisa nesse sentido serve só para marketing mesmo. A mensagem real é “dê atenção aos seus comportamentos automáticos e tente mudar se estiverem te prejudicando”.
Isso não invalida as obras dos autores aqui citados. Inclusive, para quem precisa construir algum grau de disciplina, é um ótimo caminho.
Se você quer entender melhor a conexão entre a dopamina e o vício, indico esse livro aqui: Nação Dopamina, da Dra. Anna Lembke.
A autora simplifica alguns termos para deixar a leitura mais leve, explicando bem e a relação entre vícios, dor e prazer, sempre tentando referenciar alguma base científica.
Ela também conta causos de pacientes que ela atendeu na clínica, de maneira bem divertida.
Então, tome cuidado com rotinas e atitudes extremas!
Se você está se sentindo mal por estar preso a algum comportamento, tente buscar um equilíbrio na sua rotina, adquirindo novos bons hábitos aos poucos.
Por exemplo, começando com o básico como dormir bem, tomar água (sem exageros), praticar atividade física, praticar um hobby interessante pra você (sem paranoia de perfeição).
Verifique também se o contexto em que você está permite que você aplique esses hábitos.
Quem acorda 5 da manhã e dorme 01:00 AM não conseguirá (vida de brasileiro não é fácil), mas faça o máximo para tentar compensar quando puder.
Se estiver se questionando, consulte um profissional psicólogo ou psicoterapeuta.
Nunca tome medicações sem consultar um médico!
Dá uma chegada no vídeo do YouTube e comente lá com sugestão de temas para o próximo vídeo!
Se cuida, hein!